O PRAZER DOS OUTROS
Entrevistaram-me, ontem, a propósito desta minha mania de, uma vez por ano, organizar um workshop de "escrita livre". Em que autores fundamentava as minhas teorias? Onde tinha aprendido? E se dessas moitas já tinha saído coelho? Foi bom, porque percebi que a resposta era negativa em quase todos os casos. Menos no último, já que vi emergir da neblina dos seus textos várias pessoas. Algumas continuam a escrever. Algumas publicarão, para bem de nós todos, um dia destes.
Neguei (e continuo pouco interessado) os manuais do "Como escrever um livro". Os americanos pelam-se por isso. Os espíritos mais simples, ídem. Mas nem a literatura se faz de simplismos, nem nós necessitamos de mais livritos razoavelmente escritos. A criação literária é uma chatice incómoda. Vem de dentro para fora. Como um parto. Como um bebé sujo de placenta e líquidos em que não apetece pegar, quanto mais mostrar ao mundo. Sabe-se que alguém o amará e que temos de o proteger, mas não é bonito, objectivamente falando. Mas é desse montinho de carne que mexe que virá o futuro. A escrita, a verdadeira, é sobre o que não se conhece. É por isso que é tão difícil ser escritor.
Só os patetas não entendem isto. Os ignaros que se refugiam nas teorias literárias para tentar provar o que é bom e o que é mau.
Os exercícios de escrita que proponho são inúteis para quem quer ser como os escritores que admira. Esses existiram e agora estão mortos, excepto nos seus livros. Nunca mais voltarão em carne ou gesto. Só nos resta ser o outro. Ainda que o outro seja menor.
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